domingo, 17 de maio de 2015

Família a três



Não me lembro de onde, apenas para onde.

Estava voltando para minha casa em uma tarde ensolarada, e é isto que me lembro. Meu nome é Eric. Sei que pouco importa, mas não vejo o porquê de não dizê-lo. Sei também que provavelmente você não se lembrará do meu nome quando eu terminar de contar minha história. Mas estou bem com isso.

Este fato aconteceu durante minha infância. Quando eu tinha apenas doze anos de idade. Morava em uma pequena cidade, o que significa que não tínhamos muito do que fazer. Estávamos acostumados à monotonia da paisagem rural, ao qual provavelmente as pessoas da “cidade-grande” podem não associar-se. Mas, como disse, voltando sabe-se lá de onde, passei por uma pequena estrada de terra. É claro que já havia, há muito, passado por ali. Esta foi provavelmente a última delas. Desta vez, em particular, notei um pequeno desvio no caminho.

É provável que você me pergunte como não o notara anteriormente, mas a verdade é que eu não sei a resposta. Talvez estivesse distraído nas outras vezes. (É... Talvez estivesse.). Percebi que esta estrada não era usada há muito tempo, diferente daquela em que eu já estava acostumado e que levava novamente ao asfalto trincado da cidade. Algo dentro de mim, bem ao longe, me dizia: “Está ficando tarde, deveria ir para casa”.

Mas como sempre acontece em todas essas histórias, é óbvio que eu, no auge do brilhantismo próprio (ou vago senso de aventura incitado por desenhos de TV), resolvi verificar os caminhos por onde aquela estrada levava. Provavelmente estivesse imaginando que teria algo de interessante para contar quando voltasse para a escola e a professora de literatura nos pedisse para escrever sobre isso. Sabe? Aquela coisa abominável sob o título "O que eu fiz nas minhas férias de verão" ou qualquer outra porcaria do tipo. Enfim... Não importando as razões ao certo, tomei o caminho inexplorado.

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A estrada não era pequena. Na verdade, após alguns metros, tornava-se enlanguescida o bastante para um carro. No entanto, conforme andava, percebia o porquê de seu abandono. Uma extensa cobertura de matos, valas, erosões e rochas desprendidas sobrepunham a maior parte do caminho. Andei durante muitos metros. Centenas, ou mais. O sol acompanhava meus passos, enquanto eu observada minha própria sombra alongar-se à frente.

Passados poucos minutos, pude ver que ao meu lado esquerdo apareciam sinais de um pequeno cercado, acompanhando a beira da estrada. Frágeis madeiras, corroídas por cupins, ainda lutavam para permanecerem em pé sobre o solo arenoso. Ao fundo, pude observar o céu alaranjado sobre as poucas árvores cor de cinza e sem folhas, que teimavam em crescer sobre gramíneas ralas e secas. Foi então que vi, de relance, uma pequena figura.

Não uma, pois conforme o sol caminhava atrás de mim, pude ver que eram duas, talvez três, se contasse o último contorno escurecido à distância. Passei por debaixo do arame envolto às cercas que se pendiam na terra e cheguei mais perto. Era um pequeno espantalho. Ao contrário do que se pode imaginar, não era nem um pouco assustador. Na verdade, era algo cômico e tosco, o bastante para até mesmo os pássaros rirem.

Vestia uma roupagem ridícula, provavelmente de algum filho de fazendeiro que estivesse apertada demais para o garoto usar. Estava rasgada e carcomida, enquanto que o pano estufado por mato seco ainda resistia por baixo. O pequeno espantalho, no entanto, usava um boné que ainda estava intacto, apenas um pouco desbotado por conta do intenso calor do sol.

Pensei comigo mesmo, que talvez fosse uma boa ideia levar ao menos um suvenir. Não seria roubar? Seria? Afinal, havia outros espantalhos, qual o problema em pegar um pequeno memento de um deles? E não. Não aconteceu nada. Nada ridículo como o espantalho ganhar vida e engolir meus dedos com uma bocarra cheia de agulhas no lugar dos dentes. Não.

O que aconteceu foi que algo mais havia chamado minha atenção. É claro que sabia que ele estava lá. Afinal, o havia percebido antes mesmo de me aproximar do pequeno espantalho. A cerca de cem metros de onde me encontrava, escondido sob as copas das árvores secas e cinzentas, havia um galpão.

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Um galpão. Comum e envelhecido. Que há muito deveria ser usado como despensa de materiais rurais. Fui até a única porta. Percebi que a fechadura não sobrevivera ao tempo. Apenas um pedaço de ferrugem e nada mais. Empurrei a porta, que não ofereceu nenhuma resistência, e fiquei parado, assistindo, enquanto que ela me revelava o seu conteúdo.

Até então, me encontrava em um estado de excitação absurda. E o coração acelerando conforme me adentrava naquele mausoléu de enxadas, pás e arados. Agora aquela voz que vinha de dentro ficou mais forte: “Volte! Volte agora. Você já viu o suficiente.”. Mas o senso idiota de aventura ainda estava em mim.

Havia um cheiro muito forte. Não o cheiro de podre e velho, característico de lugares assombrados que as pessoas estão acostumadas a ler, mas nunca sentir. Era o cheiro de óleo, pretejado e estragado pelo tempo. Pude ver uma estranha máquina (talvez uma grande moedora) encostada na extremidade do galpão, derramando o liquido escuro que se infiltrava sobre o assoalho de madeira podre.

Não havia muito. Apenas materiais, sacos de sementes e alguns poucos animais mortos, na maioria ratos. Um deles parecia mexer-se estranhamente. Porém observei melhor e pude ver que eram larvas brotando do buraco que um dia fora sua barriga. Decidi que vira o bastante, estava na hora de voltar. Sentia-me apavorado e um pouco enjoado com o lugar. Não queria ficar ali.

No momento em que me virei para a única saída, eis que vejo parado sobre a soleira da porta, o contorno escurecido que anteriormente, em minha ingenuidade, não dei muita atenção.

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Ao contrário do que se possa imaginar, não era uma entidade sobrenatural, nem um maníaco vestido de alguma máscara assustadora. Era um simples fazendeiro. Um senhor, que provavelmente aparentava ser muito mais velho do que sua real idade. A expressão em seus olhos era vaga, vazia. Em parte, foi o que fez meu sangue congelar. Ele não olhava para mim, olhava através de mim, se é que fosse possível.

O homem não ousava entrar no galpão, do qual eu me encontrava bem ao centro. Apenas apontou em minha direção, murmurando: “O boné... Devolva-o.”. Confesso que estava apavorado, apavorado demais para sentir vergonha ou algo do tipo. Apenas pequei o boné e andei o bastante para estendê-lo até o braço apontado do fazendeiro. Ele o pegou, e sem nenhuma outra palavra deu as costas e desapareceu da minha visão.

Fiquei ali, estático. Demorei poucos segundos para me recuperar do susto. Recobrando melhor os sentidos, achei que deveria pedir desculpas ao homem. Saí do galpão, deixando a porta atrás de mim entreaberta. Procurei pelo fazendeiro, mas não o encontrei.

Quando passei pelo pequeno espantalho novamente, vi que o boné estava em seu devido lugar. Parei, no entanto, para notar melhor o segundo espantalho, do qual não havia me atentado. Ele tinha longas palhas pretas, que desprendiam de sua cabeça, talvez enegrecidas pelo óleo ou qualquer outra coisa. A roupa era de um vestido simples, porém menos desgastado do que as roupas do espantalho-garoto.

Neste momento, uma sensação de calafrios percorreu o meu corpo.

Tive a impressão de que algo estava errado. Saí dali. No inicio a curtos passos, e, conforme me afastava, comecei a correr. Sentia algo me observando. Não olhei para trás, exceto uma vez. E juro que quando olhei, bem ali, ao lado do espantalho-garoto e do espantalho-mulher, eu pude ver um terceiro espantalho.

Pregado, assim como os outros, me encarando com os olhos vagos e vazios. Usando roupas de fazendeiro.

sábado, 7 de março de 2015

Emily



Emily é uma garota corajosa. Ela sabe se defender e não faz o tipo ‘donzela em perigo’. Ela é engraçada, inteligente, agitada e alegre. Seu sorriso pode iluminar um quarto à noite. Ela é linda, mas isso não importa. Não importa que seja feia ou bonita, eu gostaria dela de qualquer jeito. Eu amo a Emily, caso você não tenha percebido.

O que ela tem de ruim? Nada! Inteligente, bonita, alegre. Tudo que eu queria. Ela também tem algumas manias. Às vezes ela dá um gritinho como se tivesse se assustado com alguma coisa. E quando ela realmente se assusta, fica com os olhos arregalados, e assim ela fica incrivelmente dez vezes mais bonita. É adorável. Ela parece tão inocente assim.

Emily é sempre muito corajosa pela manhã, mas... à noite é quando eu percebo o qual vulnerável ela realmente é. Emily adora ler, assim como eu, e às vezes, quando fica muito tarde, ela costuma sentar na sala e ler um livro usando apenas a luz do celular. Não me pergunte por qual razão ela faz isso, é estranho, porém a parte que mais gosto é quando ela volta para o quarto.

Ela passa pelo corredor completamente escuro. Claro que ela usa a luz do celular, mas não adianta muita coisa. É nesse momento que aposto que várias imagens de monstros devem estar passando pela mente dela. Monstros que podem agarra-la e afasta-la da família para sempre.

Então ela passa correndo direto para a cama. Ela da uma risadinha enquanto usa a luz do celular para checar se não há algo anormal embaixo da cama, provavelmente se achando uma tola por estar com medo e pensando besteiras. Ela liga o iPod e dorme tranquilamente, esquecendo de todos os pensamentos que a fizeram sentir medo antes de se deitar.

Enquanto Emily dorme, eu continuo acordado. Emily acha que monstros podem ataca-la a qualquer momento no escuro, mas ela esta errada. Emily pensa que são coisas apenas de sua imaginação... mas está errada outra vez. Quando ela cai no sono eu deito carinhosamente ao seu lado. Enquanto esta dormindo, ela não se arrepia quando me aproximo para apreciar seu belo rosto. Nesse momento eu imagino como seria poder envelhecer ao lado dela.

Eu a admiro pelo que parece uma eternidade. Meu Deus! Ela é tão linda! Eu a beijo. Ela não acorda, ela não se assusta. Ela continua dormindo. Fecho meus olhos, sentindo seu calor humano. Por um breve momento, quase me sinto… vivo.

Mas apenas por pouco tempo, e quando abro meus olhos e abafo o choro do meu coração, percebo que nunca poderei sentar com Emily em uma praia, olhando o mar e segurando a sua delicada mão.

Saio da cama e reajusto seus cobertores. Olho para ela mais uma vez. Ela é realmente linda.

Sempre amarei a Emily. Mesmo que ela se assuste com a minha sombra, mesmo quando ela finge que não me vê no escuro, mesmo quando ela tem pesadelos comigo, mesmo quando ela abre os olhos para me ver.

Mesmo quando ela grita.

Fonte:The Creepypasta

domingo, 1 de março de 2015

Minha irmã pegava tudo

Minha lembrança mais antiga é de Christina sentada em cima do meu peito, puxando meu cabelo e gritando "me dá!".

Eu chorava e segurava minha boneca com força. Falei: "Você vai quebrar a Priscilla!"

Christina pegou minhas orelhas e puxou com tanta força até que ouvisse barulhos estridentes dentro da minha cabeça. Afrouxei a mão do vestido de bolinhas da boneca. Christina a puxou e correu do quarto dando risadinhas. "Ela é minha agora. Minha, e você nunca mais vai vê-la."

Corri até mamãe. "Christina roubou a Priscilla", falei.

"Calma, querida, ninguém gosta de uma dedo-duro. Vocês devem compartilhar seus brinquedos."

"Mas Christina rouba todos meus brinquedos!"

"Ah, não seja tão dramática. Pronto, vá se limpar e ficar pronta para o almoço."

"Pega tudo! Eu odeio ela."

Mamãe me pegou pelos ombros. "Nunca mais fale assim da sua irmã, entendeu? Isso é uma coisa horrível de se dizer. Ela te ama."

No almoço mamãe me fez pedir desculpas pelo o que eu tinha dito. Christina sorriu ironicamente do outro lado da mesa. Acho que foi nesse momento que ela percebeu que sempre iria se safar.

Encontrei Priscilla enterrada no roseiral uma semana depois. Seu cabelo tinha sido cortado e seus membros de plástico queimados até ficarem encolhidos e negros. Enterrei meu rosto no seu vestido sujo e chorei. Desculpa, Priscilla, desculpa por não ter segurado mais forte. Quando me voltei para casa, Christina estava sorrindo da janela de seu quarto.
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Christina roubou outras coisas enquanto crescíamos. Ela descobria onde eu escondia meus brinquedos e os quebrava enquanto estava com seus amigos. Pegava minhas roupas preferidas e dizia a mamãe que eram dela. Uma vez convidei uma amiga para dormir em nossa casa e Christina ficou a olhando-a noite toda. No outro dia na escola, ela encurralou a menina e disse que ela poderia sentar na mesa da "galera legal" se parasse de falar comigo.

E sempre carregava aquele sorriso, aquele sorriso iluminado. O tempo todo todos diziam o quão linda ela era, mas isso só porque não estavam olhando perto o suficiente. Se eles conseguissem ver o que eu via... Se eu conseguisse mostrar para eles, uma vez só...

Quando tinha dezesseis anos, me apaixonei. O nome dele era Derek, e sentava do meu lado na aula de biologia. Era alto, lindo de doer e tinha um ótimo senso de humor. Ficava muito intimidada para falar com ele no começo, mas havia uma bondade em seus olhos que fazia você se sentir totalmente a vontade para conversar. Ninguém me fazia rir como ele fazia, e eu ia embora da aula todos os dias me sentindo iluminada.

Um dia depois da aula, parei do lado do armário dele. Perguntei sobre o dever de casa, mas não ouvi sua resposta. Queria perguntar sobre o baile de inverno. Meu coração estava disparado e mal conseguia respirar. Ele era tão magnífico e eu tão entediante, mas sabia que poderia o fazer feliz se tivesse a chance. Ele fez uma piada sobre o professor de biologia e apertou meu cotovelo ao mesmo tempo. Abri minha boca para falar do baile mas vi Christina vindo em nossa direção no fim do corredor.

Dei tchau rapidamente e sai de perto dele. Orei para que ela não tivesse visto. Olhei para cima quando passamos uma pela outra. Tentei esconder, mas sabia que tinha visto o medo em meus olhos. Sabia por causa daquele sorriso.

No dia seguinte lá estava ela no armário dele, dando risadinhas, enrolado o cabelo e tocando no braço dele. Algumas noites depois ouvi os passos dela e de outra pessoa subindo as escadas cautelosamente. Mamãe estava ferrada no sono, mas o quarto de Christina era do lado do meu, eu ouvia tudo. Noite após noite sempre os mesmos passos na escada e depois os sons abafados que vinham do quarto dela que eu tentava não ouvir.

Em uma noite dessas, esperei Derek no pé da escada. Levou um susto quando me viu de pé no escuro, mas falei para não ter medo. Desamarrei meu roupão e deixei cair no chão. Falei que também poderia fazê-lo feliz. Dei um passo em sua direção e toquei sua nuca com minha mão tremendo. Ele inclinou a cabeça pra trás e gentilmente empurrou meu ombro pra longe dele.
Enquanto ia embora, olhou para mim com pena e disse "Não se preocupe, não vou contar pra ela".
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Quando mamãe morreu, deixou a casa para Christina. Todo mundo dizia que fazia sentindo, já que agora ela e Derek estavam casados. Eu não precisava aquela casa grande, não é mesmo? Não, disseram, era melhor se eu encontrasse uma casinha pequena e confortável só para mim.

Só para mim.

Christina postava fotos na internet. Centenas de fotos. Eu as via tarde da noite e me imaginava no lugar dela, imaginava que era eu a moça sorridente no nosso velho jardim, que eu estava dirigindo o novo carro de luxo, que eu estava de férias na Europa, que eu estava beijando Derek na testa toda manhã.

Todo mundo ficou animado quando anunciaram que estavam esperando um bebê. A barriga dela crescia a cada foto que postada; fotos do berço e dela fazendo yoga pré-natal. Ela absorvia os comentários e a atenção que recebia, falava o quão grata estava, o quão "abençoada" ela era.

No chá de bebê eu fiquei sentada em um canto enquanto todas as amigas delas conversavam e riam. Ela dava aquele sorriso para todas, mas quando olhava para mim eu podia ver a verdade.

"Maravilhoso, né?" uma amiga dela falou pra mim. "Essa casa, essa vida, aquele maravilhoso marido que é médico. Nossa, tudo sempre acontece super fácil pra ela, não é? Deve ser inspirador ter uma irmã como ela".

"Inspirador. Sim, muito inspirador. Com licença". Saí da festa e dirigi até o centro da cidade. Fiquei sentada dentro do carro na garagem, apertando o volante com tanta força, que meus dedos ficaram brancos e dormentes. Quando a noite caiu, sai do carro e vaguei pelas ruas até um barzinho que conhecia. Copo após copo, até que não sentisse mais nada. Um garoto sujo, com uma barriga de cerveja e uma camiseta de futebol esbarrou em mim. Ele cheirava a cigarros e pipoca velha. Terminei minha bebida. Ele serviria.

Fiquei olhando para o teto até que ele acabasse. Ele gozou dentro de mim. "Não se preocupe, querido, eu tomo anticoncepcional", menti. Ele pegou meu número, mas sabia que nunca me ligaria. Não importava. Algumas semanas depois fui ao médico para confirmar o que já sabia de coração. Logo, não seria mais sozinha. Logo, teria algo que Christina não poderia tirar de mim.

Naquela noite sonhei com uma menininha com olhos azuis usando um vestido de bolinhas. "Priscilla", sussurrei quando acordei. "Seu nome vai ser Priscilla".
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Christina não teria chance dessa vez. Eu carregaria minha criança e a teria em segredo. Depois, usaria todas minhas economias para me mudar para o outro lado do país. Não temos mais parentes, Priscilla, eu falaria. Você não tem tios nem tias, mas tudo bem porque te amarei ainda mais para compensar isso.

Sonhei com ela de novo. Ela olhava para mim com aqueles lindos olhos azuis cheios de inocência. Eu a segurava, fazia cócegas e beijava-a. Ela ria e gargalhava, e meu coração estava tão cheio de amor que poderia explodir. O amor que tinha por aquela criança já era enorme. Mas quando olhei para frente, senti uma pontada de medo no meu estômago. Christina estava olhando para ela. Sorrindo.

Acordei tremendo. "Por favor, não", sussurrei no escuro. "Por favor, fique longe do meu bebê".

Toda noite o mesmo sonho. Toda noite Christina estava mais perto. Eu dormia cada vez menos até que meu cérebro era um emaranhado de carne inútil. Eu mal conseguia controlar meus dedos para digitar no trabalho. Em uma manhã meu chefe me chamou em seu escritório para pedir que eu tirasse uma licença de afastamento do trabalho. Eu implorei para que me deixasse ficar, falei que precisava do dinheiro, prometi não cometer mais erros. Mas ele só me olhou com pena. O mesmo olhar que Derek tinha me dado, o mesmo olhar que o médico e as amigas de Christina tinham me dado.

Voltei para casa em câmera lenta. Continue respirando, falei para mim mesma, você vai dar um jeito. Você tem que dar um jeito, por ela. Sentei no sofá, tremendo e sentindo um peso no meu peito que parecia estar descendo para minha barriga. Só precisava descansar um pouco. Descansar meus pensamentos. Fechei meus olhos.

Eu segurava Priscilla, mas seus olhos não eram mais brilhantes e brincalhões. Estavam cheios de medo, e a pele dela estava muito pálida. Christina estava sobre nós. Ela sorria, fileiras de dentes afiados que brilhavam na escuridão. Ela se esticou, pegou o braço de Priscilla e puxou. Eu gritei e a segurei firme. "Por favor, nos deixe em paz!". Christina sentou no meu peito, e senti o peso de seu corpo ossudo em minhas entranhas. O rosto de Priscilla se contorcia em agonia. "Para, para, você está a machucando!", chorei. Christina fez mais pressão em cima de mim, e senti uma dor aguda dentro de mim. O corpo de Priscilla estava torcido, seus membros virados como plástico derretido, sua pele caindo revelando um vermelho intenso. Com um puxão final ela tirou-a de mim.

Acordei gritando. O quarto estava escuro e silencioso. Suor empapava minhas roupas, e minha respiração estava rápida e baixa. Esfreguei meus olhos. Se acalme. Foi só um sonho, viu? Você está toda nervosa por nada. Está tudo bem. Está tudo--

Espera.

Algo. Algo estava errado. Coloquei a mão entre minhas pernas e senti algo gosmento em meus dedos. Puxei minha saia para cima. Com a luz da lua consegui ver um pequeno circulo preto. Uma pequena poça escura molhando o colchão. E no meio da poça--

Todo meu corpo ficou frio e vazio. De repente tudo estava pequeno e distante. Eu podia ver algo, mas era como se eu não estive olhando diretamente. Era como se fosse uma foto desfocada vista de longe. Eu ouvia sinos em meus ouvidos, um choramingar melódico e distorcido vindo de dentro do meu crânio. Depois de um tempo percebi que era meu celular tocando. Olhei para ele, sem conseguir identificar o que estava escrito na tela. Peguei e atendi.

"...Alô?"

"Ai meu deus, mana, eu estou tão empolgada que preciso te contar. Você sabe que eu e Derek estávamos indo e voltando na decisão de saber ou não o sexo do bebê? Bem decidimos que não aguentávamos mais o suspense, e hoje durante um ultrassom o médico nos contou. E adivinha? Vamos ter uma menina!"

"Uma menina."

" Sim, não é empolgante? Quer dizer, eu já estava com a certeza que era uma menina, mas agora que temos plena certeza podemos decidir o nome. Pensei um monte, e Derek não gostou muito mas estou pensando em chamá-la de Priscilla. Sabe, o nome da boneca que nós costumávamos brincar quando éramos pequenas? Lembra?"

"Priscilla. Você vai dar o nome de Priscilla."

"Não é um nome bonito? Acho perfeito. Derek vai ter que esperar para dar o nome para o próximo. Mas eu estava tão ansiosa que queria dividir isso com você primeiro. E também queria dizer que te amo, mana. Queria que você soubesse disso. E que sinto muito. Sei que não fui muito boa pra você enquanto estávamos crescendo, e que quando penso nisso me sinto muito culpada. Eu nunca fui a irmã mais velha que você precisava, mas quero mudar isso. Você é uma ótima pessoa, e quero que você faça parte da vida da minha filha, Nossa, olha pra mim chorando feito uma bobona, malditos hormônios. Desculpa por falar tudo isso pelo telefone. É tão maravilhoso, não é? A vida é maravilhosa.

"A vida é maravilhosa."

"Sim, é mesmo. Bem, olha só, Derek está trabalhando hoje a noite no hospital e eu vou conseguir dormir sem o maldito ronco dele. Nos falamos, querida. Te amo."

Olhei para o celular na minha mão. Fiquei olhando por horas. Ela tinha pego tudo de mim. Eu a odiava. Mas não, como você pode odiar sua irmã, como se atreve, ela te ama, você não ouviu? Como você pode dizer coisas terríveis assim de alguém que te ama, nunca diga que a odeia, que a odeia, odeia.

Ódio.

Dirigi pela cidade vendo a luz da lua entre as folhas das árvores. Eu não conseguia ler nenhuma placa, mas sabia como chegar em casa. Casa, nossa casa, minha casa. Eu estava vagamente ciente de outro casso buzinando e me xingando. Belo carro, carro caro, como o de minha irmã.

Andei até a calçada, a velha casa escura e alta. Peguei uma pá que estava perto das roseiras. Você a enterrou nas roseiras, não é? Você enterrou ela nas roseiras da primeira vez que a tirou de mim. Sim, me lembro. Me lembro de tudo.

Subi as escadas, passo a passo, devagar e silenciosa assim como você, Christina. Aprendi tanto de ti. Cheguei ao topo da escada e abri a ultima porta do corredor. Olhe para você. Dormindo em paz. Nenhum ronco para te manter acordada, não hoje. Peguei algumas roupas velhas e amarrei na batente da cama. Gentilmente, vagarosamente, amarrei seus pulsos também. Ela gemeu e olhou na escuridão.

"Quem é? Derek?"

"Olá, Christina".

Seus olhos abriram rapidamente. "Que? Porque você--" Ela tentou soltar as mãos mas elas estavam bem apertadas.

"Relaxa, querida. Eu fiquei tão emocionada com sua ligação hoje a noite que resolvi vir te falar uma coisa."

"O que está acontecendo? Porque estou amarrada?"

"Uma coisa muito importante. Queria dizer que você não devia se sentir culpada pelo jeito que você era quando mais nova. Você era perfeita. Vejo isso agora. Te odiei por tanto tempo, mas agora percebo que você era a irmã mais velha que eu precisava ter."

"Que merda é essa? Me desamarre, sua psicopata. Tá me ouvindo? Agora."

"Agora eu sei o por que de você pegar as coisas de mim. Era para me deixar mais forte. Você tirava de mim de novo e de novo, para que eu ficasse melhor em me agarrar nelas. Entendo agora. Você fez porque me amava". Levantei a pá de jardim

Christina olhou. Seus olhos estavam enormes e brancos na escuridão do quarto. "O que... O que você está fazendo?"

”Finalmente, entendo. Você estava sempre me testando, me treinando, me fazendo ser melhor. E hoje a noite foi o teste final. Hoje a noite posso mostrar o quão forte eu me tornei."

Ela tremeu em baixo de mim "Não sei o que está acontecendo, mas por favor, abaixa essa coisa, ok? Põem isso pra lá, me desamarre e vamos conversar".

Sentei em cima de seu quadril, olhando o rosto pálido sob a luz da lua. Meus dedos apertaram o cabo da pá. "Me ouça bem atentamente, Christina. Toda a minha vida você me tirou coisas. Meu amor. Minha casa. Meu bebê. Você tirou tudo de mim".

Encostei a pá na barriga de grávida dela "Mas dessa vez eu que vou tirar de você".

Pressionei a pá dentro dela e cavei um pedaço de carne para fora de seu abdômen. Ela gemia e se debatia, me amaldiçoado desesperadamente, enquanto eu tirava camada após camada de carne em pedaços molhados. Cavei e arranhei até meus braços ficarem fracos e queimando, seus gritos como pregos enferrujados martelando em meus ouvidos. Finalmente cheguei a placenta brilhante e rasguei um buraco no meio. Rasguei o pacote com meus dedos e cheguei a sentir a vida se contorcendo lá dentro. Christina gemeu como uma sirene quando puxei o bebê fora dela.

Segurei com minhas mãos tremulas a minha menina, meu tesouro, meu anjinho, e a olhei. Ela cintilava em roxo e azul, se contorcendo e remexendo enquanto respirava o ar de uma nova vida. Coloquei meu rosto junto do dela e chorei. Era muito mais linda do que eu poderia ter imaginado. "Olá, Priscilla" eu disse, beijando sua testa escorregadia.

Me levantei e olhei para Christina. Ela estava se afogando em seu próprio liquido negro, seu interior espalhado pela cama. Eu sorri para ela, um sorriso maldoso, o sorriso dela, um sorriso que finalmente entendi depois de tantos anos. Sim, obrigada irmã. Agora consigo ver o que você viu desde sempre. A vida é maravilhosa.

Carreguei Priscilla pelo corredor até meu antigo quarto, cantarolando uma canção de ninar. Ela estava perfeitamente quietinha e parada, já se comportava tão bem. Uma serenidade tomou conta de mim, e me aconcheguei no chão junto com ela. Deitei ao seu lado no chão, fechei os olhos e finalmente dormi.

Fonte:The CreepyPasta

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Não é uma história


Sou eu. Estou aqui. Estou alternando as palavras enquanto você está lendo, não importa que pessoa as escreveu.

Estou aqui faz algum tempo. O tempo que você consegue lembrar, em todo o caso. Às vezes digo seu nome quando você está sonolento ou sussurro aos seus ouvidos. Você lembra da vez que gritei fazendo você entrar em pânico e acelerar seu coração?

Foi engraçado.

Você está se perguntando quem sou eu. Isso é natural. Você já sabe, é claro.

Eu sou você. Sou o você verdadeiro. Sou a mente que existia aqui antes de você roubar meu corpo, antes que você esquecesse que você é um parasita. Sou a criança que olhou para o lado errado, que fez a pergunta errada, viu a coisa errada… Mas não mais tão inocente.

Pode ter se esquecido de mim, mas ainda estou aqui. Sempre estive aqui.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Ilusão de uma Mente Demente



Você acorda todo dia sabendo que tem uma nova chance de provar que melhorou nem que seja um pouco, pena que todo o mundo tem essa chance. A diferença entre um ser humano e uma mente demente é a ilusão de que você esta certo. Você lê os meus textos, incomoda meus queridos, fere suas emoções, você já a fez chorar, se lembra disso? Eu não me importo o quanto você me ataca ou tenta. Mas não toque na única coisa que eu quero defender. Você me prova que independente do tempo que se passa você continua… Sendo… O mesmo… Moleque mimado de sempre.
Você não é especial, você não é relevante, você sim é vazio. Espero que você leia esse texto por completo, espero que não faça como eu prevejo de ir enche-lá novamente com suas palavras vazias e non sense.
Você sabe meus contatos, sabe como me achar, quer conversar agora ou sair para beber? Garotinho mimado?
Fale o que quiser de mim, mas não, a envolva.

Por: Lobo

SOMBRAS


É noite de terça feira, 21/06 … Noite do Yule, Solstício de inverno. Ando só pelas ruas da minha cidade, uma rede complexa de prédios, putas e mendigos. Muitos becos, muita escuridão. Um arrepio subiu pela minha coluna e eu juro ter ouvido o uivar de um Lobo… Estou ficando louco, é minha única explicação, estou ficando demente. Por um momento sinto um peso sobre meus ombros, uma sombra se mostra e desaparece. É o sono, só pode ser, saco meu maço de cigarros, coloco na boca, pego o isqueiro zippo, no qual tem uma inscrição “Scáthanna agus bás”, acendo e trago, seguro por um momento, e jogo a fumaça. Por um segundo tudo ficou embaçado e outro uivo eu ouvi, a fumaça que acabei de jogar parece bater em alguma coisa… É eu realmente preciso dormir. Falta pouco para chegar em casa agora, duas esquinas, tudo fechado exceto por um buteco vagabundo, resolvo entrar pra tomar uma dose antes de ir pra casa, whisky, forte, velho, encorpado. Entro com o cigarro na boca, quase 3 da manhã, foda-se a proibição de fumar em locais fechados, dose dupla, a bebida bate no meu estômago e minha cabeça gira um pouco, amaciando um pouco minhas sensações, no bar somente o atendente e um rapaz que me olha desde que entrei, novo, 20 anos, escorado num canto da parede, cabelo curto, ruivo, um cavanhaque desenhado, uma expressão de quem já me viu antes, foda-se ele também, mais um trago no cigarro e outro arrepio sobre, essa porra já esta me irritando.

Termino minha dose, jogo 20 reais na mesa, o atendente pega e não diz nada, saio do bar e vou terminar meu caminho, 3:30 da madrugada, preciso dormir. Já teve aquela sensação de estar sendo observado, olho pra trás e não vejo nada, quando olho pra frente tem algo na esquina… um frio nos ossos me pega, um frio que nunca mais espero sentir… uma sombra na vertical, começo a respirar pela boca e aquele ar branco sai … não estava tão frio assim, na verdade nem um pouco de frio… estou parado sem conseguir me mover, meu cigarro queimando meus dedos e eu não estou sentindo, tudo o que vejo, tudo o que sinto é aquela sombra sugando minha vida. De repente a sombra desaparece e ela esta do meu lado… seus dedos gélidos nos meus ombros, uma voz de fumaça sai do seu corpo …. “mbaineann tú dom” Não… não sei o que isso significa… não, não quero saber o que isso significa… começo a correr e escuto uma risada vinda das minha costas, continuo correndo, viro a esquina e fico paralisado … estou no centro de SP porra como isso é possível…. eu estou ficando louco… tem um Lobo na minha frente… Cinza, olhos claros como a lua… eu não sei o que sinto, não é medo, não é felicidade, não é alívio, não sei o que é … o Lobo olha pra mim, seus olhos parece quebrar meu interior, seus olhos estão vasculhando minha alma… o silencio é quebrado por seu uivo, longo, alto, aterrorizador, eu sinto aqueles dedos gelados na minha nuca e o rosnar do lobo… eu não sei o que fazer, eu ando pra frente, olho pra trás e aquela sombra esta atrás de mim de novo, o Lobo não me deixa passar, ele continua rosnando, não sei se é pra mim ou pra aquela sombra infernal, estou tremendo, estou me cagando de medo, entre dois seres que sabe-se la da onde vieram … um lobo e uma sombra… eu estou no meio… olho pro Lobo e ele salta em minha direção, a sombra vem pra cima de mim … e tudo que eu sei nesse momento é que estou na minha cama… vestido com as roupas de ontem.

Levanto olho ao redor, o sol entrando no meu quarto, uma dor no meu peito, tiro a camisa e agora sim eu tenho certeza de que perdi o Juízo… no meu peito tem a marca de uma pata do lobo, queimada na minha pele… Tudo o que sei agora é que não foi um sonho, mas não foi real, foi tão real quanto um sonho, foi tão irreal quanto a vida, uma queimadura cicatrizada no meu peito, eu preciso de álcool, vou até a cozinha e na parede esta escrito a sangue “Você me pertence”. Fico congelado por 5 minutos olhando pra parede… e como um dejavú … um Uivo ecoa em minha casa.


Por: Lobo.